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“Para viajar basta existir. ... Fernando Pessoa

13 de abril de 2009

Cruce de Lagos de Bike

Aluguei uma bicicleta em Bariloche e fui para o albergue pegar a minha mochila recém preparada. Que ilusão pensar que minha mochila de 80 litros caberia no minúsculo suporte bagageiro, mesmo que bem vazia. Troquei para a mochila menor mantendo o essencial: saco de dormir, barraca, comida, algumas mudas de roupa e produtos de higiene pessoal. Amarrei tudo com elásticos aranha. Era minha primeira cicloviagem, estava com um pouco de medo, tanto que enrolei pra sair do aconchego e burburinho do albergue “esperando o sol baixar um pouco”.  Estudei o roteiro mais uma vez: o Cruce de Lagos é um passeio que atravessa a Cordilheira dos Andes entre ônibus e barcos. Faria a travessia no pedal.
 

Como o primeiro barco sai de Puerto Pañuelo logo cedo, era melhor dormir em algum camping por lá, afinal são 25 quilômetros do centro de Bariloche e ainda não tinha a menor idéia de quanto tempo eu levaria. Comecei a pedalar me acostumando com o peso da bagagem, logo em umas das primeiras decidas, escuto um barulho estranho vindo de trás... surpresa! A amarração da bagagem soltou, a mochila tombou para o lado e a roda abriu um rasgo enorme na mochila.
Depois de algumas lamentações de marinheira de primeira viagem, arrumei o mais firme que podia e continuei. O sol batia forte, nem dava pra acreditar no calor que fazia na região tão ao sul do continente. Chegando em Puerto Pañuelo a segunda surpresa: não havia campings ali por perto. Tinha duas opções: voltar 10 quilômetros no camping que passei em frente na ida ou seguir adiante e tentar arranjar algum lugar mais pra frente. Decidi seguir adiante para o Parque Municipal de Llao Llao, depois de subidas e descidas encontrei um guarda que me informou que era proibido acampar ali. O mapa indicava que havia alguns campings em Colonia Suiza, mas ao me deparar com uma estradinha de terra e um aclive acentuado, segui pela estrada para voltar no primeiro camping. O passeio estava até gostoso: poucos carros passavam, havia muito verde, beirava alguns lagos mas o peso da bagagem dobrava o esforço. A belíssima vista do ponto panorâmico compensou. Acabei por completar o Circuito Chico sem querer, voltando para o camping familiar que havia passado no começo da pedalada. Tomei um banho, armei a barraca e fui dormir sob os olhares curiosos das famílias que curtiam o feriado de Natal.

Com medo de perder a hora acordei antes de o despertador tocar. Desarmei a barraca, arrumei a mochila e peguei a estrada. Cheguei cedo em Puerto Pañuelo, ainda estava vazio, as excursões começaram a chegar só depois. No meio das muitas malas estava a bicicleta. O passeio de barco é muito agradável, passamos por casas no estilo suíço e montanhas nevadas ao fundo, chegamos em Puerto Blest depois de uma hora e meia. Na ansiedade, peguei a bicicleta saí correndo para o próximo porto sem necessidade, o trecho é bem curto e demorou para o povo todo vir de micro ônibus em várias viagens. O próximo trecho de barco sai de Puerto Alegre a Puerto Frias por um lago verde espelhando o Tronador com seus 3 picos nevados. Não souberam me informar qual era o horário correto da saída do próximo barco, uns me falavam que a saída era às quatro horas da tarde, outros às quatro e meia e o último me falou que era cinco, só sei que tinha que correr. Teria 4 quilômetros de subida até a fronteira e depois mais de 20 quilômetros de descida até Peulla. A subida é íngreme empurrando a bicicleta quase o tempo inteiro. Conforme o calor aumentava, os mosquitos “tábanos” iam acordando e aporrinhando a paciência. Tábanos são moscas tamanho gigante que não fazem outra coisa se não perseguir os humanos e mordiscá-los se deixar. Bem no alto da montanha atravesso o Paso Peres Rosales, fronteira Argentina - Chile. Estranhei que não havia imigração nenhuma e comecei a descer. Depois de um tempão descendo cheguei ao posto de carabineiros do Chile, onde o guarda me parou para olhar os documentos.  Estava demorando muito, ele folheava meu passaporte do início até o final várias vezes, quando finalmente me perguntou onde estava o visto de saída da Argentina.

- Que visto de saída?
- O visto que você deveria ter pegado na outra fronteira.
- Que outra fronteira? Do outro lado da montanha? Vários quilômetros de subida mais alguns de descida?
- ...
Desespero total, eu teria que voltar tudo aquilo que desci subindo, tudo que subi descendo, pegar o visto e voltar tudo novamente? Nãaaaooooo... não acreditava no que estava acontecendo, com o choque comecei a soltar lágrimas. Os carabineiros começaram a discutir algo entre eles. Um dos deles parece que tinha que fazer algo do outro lado, e iriam me dar carona. Graças a Deus. Colocaram a bicicleta na caçamba, voltei tudo novamente, dessa vez de caminhonete dos Carabineiros do Chile. Peguei meu carimbo de saída, o carabineiro fez o que tinha que fazer, parece que foi um favor ou ele era algum chefe pois os argentinos agradeceram bastante a visita e depois voltamos. Acabaram me dando carona até Peulla onde me poupou uns bons quilômetros de estrada de rípio (cascalho). Em Peulla, 27 quilômetros depois, há a outra imigração onde o guarda me carimbou a entrada no Chile no meu passaporte.  Ufa! Que sufoco!  Corri para o Porto e consegui pegar o barco que estava atrasado. Chegando no barco fiquei sabendo que as pessoas que faziam o cruzeiro  por excursão acompanharam todo o meu drama de ir e voltar. Como ficaram sabendo não sei. Só sei que estava sã e salva no barco e respirava aliviada de não perder o cronograma da travessia.
Esse é o último trecho de barco, o mais longo e o mais bonito também.  Passamos pela montanha Potiagudo e seguimos em direção ao vulcão Osorno. No final da tarde o barco chegou em Petrohué. Os transportes esperavam as pessoas , algumas iriam pernoitar lá mesmo e outras seguiriam para Puerto Montt. Peguei a estrada, um bom trecho de cascalho, horrível para bicicleta, muito escorregadio, depois, um bom asfalto. A estrada contorna o vulcão Osorno que parecia um cone de sorvete.  Conforme o sol abaixava, o cone ia ficando laranja, foi quando cheguei a Ensenada. Esperava uma pequena cidade, mas não passa de um vilarejo espalhado ao longo da estrada. Encontrei um camping, lanchei algo que tinha mesmo, tomei banho e dormi.
Acordei cedo, o céu estava nublado. Fui atrás de informação para escalar o Osorno como uma montanhista que sou. Infelizmente como estava sozinha, sem equipamentos, a escalada iria me custar muito caro e o tempo não estava lá essas coisas, então desisti. Fiquei meio triste, mas tudo bem, estava curtindo a minha viagem de bicicleta. Parti para o último trecho. O caminho segue beirando o enorme Lago Llanquihue.  Aos poucos o azul do céu aparecia entre as nuvens. Conforme avançava, o movimento aumentava e na mesma proporção, a civilização.  Depois de 43 quilômetros cheguei a Puerto Varas já embaixo de um sol escaldante novamente, uma cidade pequena e turística. Há muitas pousadas e restaurantes e em um deles entrei para almoçar. Comi uma pizza deliciosa que ultrapassava os limites do prato para comemorar a etapa final da viagem.
De lá são 20 quilômetros para Puerto Montt, onde cheguei à tarde, é uma cidade bem maior. Fui em direção à rodoviária para já reservar minha passagem de volta ainda me acostumando com o retorno à civilização. Procurei hospedagem lá por perto. No dia seguinte peguei o ônibus de volta para Bariloche feliz por ter completado a missão com sucesso.
Sofri com certa falta de informação e inexperiência de cicloturista, valeu a pena ter tentado, pois serviu de aprendizado para as próximas viagens.  Apreciei paisagens belíssimas curtindo o que a natureza nos proporciona e com mais uma história para contar...

3 comentários:

  1. Sensassionalllllllll !!!!
    Tambem pedalei por essas bandas .. mas Fui ate Osorno ...

    bjk.

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  2. Sensacionalllllllll !!!!
    Tambem pedalei por essas bandas .. mas Fui ate Osorno ...

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  3. Já cruzei os lagos 3 vezes (uma delas com muita neve, e fresquinha, algo inesquecível!), e não me cansei ainda, tudo é muito lindo! Entretanto, fiz isto num esquema beeem mais leve, como turista convencional, admirei a sua coragem e disposição em fazer o percurso de bicicleta, parabéns!

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